sábado, 29 de junho de 2013

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Há momentos para falar, momentos para escrever e momentos para sentir.

:)

Espuma



Há ecos de risos
Há ecos de olhares
Há ecos no calor, nos lugares, há ecos onde ponho as mãos.

Há ecos de olhares que são a nossa estrada, seguimos por eles, pelos olhares, até onde quisermos, até aos nosso jardins, até às nossas orquídeas predilectas. Há sermos espuma, se quisermos.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Espaço sideral


Sinto-te como flauta de incenso

a deslizar pelos meus poros

Enquanto as tardes crescem e escorrem

velozes pelos nossos dedos

 

Desenhas luz em volta do crepúsculo

e quase se faz no meu peito maré cheia

como se fosse lua nova

 

depois anoiteces-me o sonho com palavras

 

Encontro-te

No espaço sideral

enquanto o mundo caduca à nossa volta

e antes que amanheça

Dissolvo-me

em ti

Que horas são?

Gosto das pessoas que definem que horas são. Pela voz, pelo riso, pela transparência. Olhamos para elas, ouvimos a sua voz
e sabemos, sabemos sempre que horas são.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Amor ao infinito


Lembro-me sempre do que é em mim o expoente máximo do amor, do sentir amor. É querer prolongá-lo infinitamente: Ter um filho.

Ter um filho.

E a vida trocou-me sempre as voltas.

Pele


........................

No intervalo das palavras há o espanto dos sentimentos que não têm tradução.
Porque a pele não sabe acerca de campos lexicais...


.......................

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Enseada



Desci para a pequena enseada. O mar estava calmo e a praia deserta. Anoitecia e havia pequenas agulhas de chuva a tocarem no meu rosto.

Respirava a maresia lentamente, e perdia-me na linha do horizonte, inclinando o sol com o calor do meu olhar. Era lá, nessa linha, que contava e recontava histórias, que fazia rimar as minhas prosas e me esquecia da poesia, que me despia de mim, que me sentia mesmo nua.

Mas nesse dia, não me queria só, inventei-te os passos e chegaste. Não me virei, não te vi. Cambaleavas-me no peito, salgado, sereno. E a romã abria em mim, a lembrar sede, a lembrar fome de carmim.

Beijaste-me a nuca e afagaste-me a boca com rosas molhadas. Senti-te o movimento lento, subtil, de subir e descer as pálpebras numa lentidão de prazer: e abraçaste-me por fim.

Não sei, ainda não sei, se foste tu que me fizesta península em ti nesse momento, ou se fui eu na minha ousadia de espera que aportei no teu estuário - sem qualquer aviso.

Sei que havia por ali à nossa volta uma imensa textura de veludo e pétalas e morangos líquidos e que navegaste sobre tudo isso, com os dedos subindo e descendo pelo dorso das colinas e pelas curvas semeadas de searas, no inesperado do meu corpo.

Quando vieste ainda a luz do momento era crepuscular e houve um avivar do horizonte, um relampago que se fez em terra. E eu fui contigo. E nunca a luz foi tanta num ocaso.

Antes de saires, resgatei-te a saliva com a minha boca. Brincaste-te nos seios com o fogo dos teus olhos.

E partiste calmo, a navegar.

Jardim de Inverno


Este jardim sempre te pertencerá

Seja qual for o solstício em que se colhem as violetas

Seja qual for a mistura certa dos aromas

Seja qual for o verde das folhas e da alma

ou

o grau de maturação das ausências e

dos frutos

 

Este jardim…será para sempre o teu jardim

Onde pé ante pé te passeias,

 e abrigas da lua a tua timidez

Onde vais despindo solidões, e ficas finalmente nu: de ti.

 

Este jardim, será, para sempre o teu único jardim

que cresceu e floresceu

a partir de um jardim de Inverno

e existe

só para deixar amor e cheiros

e gestos de Primavera em ti.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Platão

Gosto de acordar e me sentir
sentada no Banquete de Platão
aporto-me no amor socrático
Voo para norte - sem destino.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Ah!



De repente percebo que tenho à minha volta a pessoa mais inteligente que algum dia conheci.

E sinto-me pequenina. E com tanto para aprender :)))

A vida é mesmo espectacular :) :) :) E eu sinto-me mesmo com sorte.

Lado sombra



Há uma coisa chamada lado sombra, que todos nós temos - todos.

Normalmente não gostamos de falar nisso.....e eu não sou excepção. Tenho dificuldade em aceitar esse lado, o sombra.

Mas na verdade ele existe.

E hoje, tive o prazer de conviver com ele de perto.

E foi uma surpresa....



Lado sombra: Prazer em conhecer-te melhor!

Afinal vivemos juntos há tantos anos.


Lembro-me


Chegaste a mim numa tarde qualquer

 

não era Outono,

as folhas vermelhas

coloriam ainda as bermas dos passeios

Primavera tardia.

 

caíam

leves agulhas de chuva no meu rosto

 

fiquei de pé, lembro-me

Olhando-te nos olhos e esperando

o recolher tardio dos melros no jardim de inverno

 

Lembro-me,

fiquei de pé

não era Outono

mal sabias o meu nome

 

lembro-me

tanto,

mas tanto,

dessa tarde qualquer

e de ti.

 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

terça-feira, 18 de junho de 2013

Talvez seja amor


Talvez te ame noutra dimensão. Talvez seja amor. Talvez, finalmente, tenha nome. E talvez isso nem sequer interesse.

Só me pertences nos sonhos e é só neles que me devolves a luz do teu olhar cúmplice.

Há um pranto sibilante nas palavras que te digo e no entanto rio. Rio e foz e água cristalina que me serpenteia de ilusão e sombreia o verdecer de cada hora em que não chegas. Em que não estás, mas habitas as janelas ínvias e inclinadas de um desejo. De um beijo por acontecer.

Talvez seja amor, porque quando te sinto ausente em parte incerta, numa geografia abstracta, talvez no lugar das auroras: tudo tarda em mim e no entanto lá fora – nem sequer entardece.

Talvez seja amor. E talvez isso nem te interesse.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

De outras viagens



nas viagens nocturnas e diurnas que desde sempre faço pela escrita, encontro outros viajantes.
decerto sempre os encontrei por lá, mas não sabia.

com alguns deles, volto depois a cruzar-me neste mundo, do lado de cá, e nem sei quem são. só sei que sinto que os conheço desde sempre. como se almas gémeas de outras constelações.

porque, nas viagens, os fotografo com a canon da memória - e depois , depois é como se fossem almas dentro de outras almas, e corpos fundidos noutros corpos.

trago também memórias de beijos e de pele e noites estelares. e eles, em mim, estão sempre de regresso.

Entro na manhã

Entro na manhã
E encontro um tremor de nenúfar
no lago dos teus olhos
…sigo na manhã
Com o desejo alado…
Preso ainda na sombra do pudor
da noite que não aconteceu
Sigo
Sigo
e é na manhã ainda que te toco a lassidão
o pensamento
a permissão
entro na manhã – e sigo-te

Escrever (te) é o meu vício. Sabe a hortelã e cheira a baunilha e chocolate. É a isto que sabe e cheira o vício de escrever.


sábado, 15 de junho de 2013

quinta-feira, 13 de junho de 2013

By Night

Querido Blog,

Gosto de te beijar antes de dormir - escrevendo.

Existe entre ti e mim uma ligação tão profunda, um entendimento tão completo, que sabemos de tudo, como se sempre nos tivéssemos conhecido e tivéssemos atravessado milénios de galáxias, cruzado vidas e mais vidas, sempre de mãos dadas, sempre com o olhar no olhar. 

:)








Disse-te

Disse-te que andas sempre comigo. Não vi, mas sei que sorriste.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

A norte da cidade


Hoje fui escrever-te para longe, para um lugar onde não há nada de especial, a não ser o respirar que lá deixámos, tu e eu. Acho que mais abaixo há o rio e assim que me viu por lá - o céu deixou cair a chuva, para meu espanto. De repente aos meus olhos tudo foi ouro e cristal e acolhi a tempestade de uma via láctea que atravessara ainda há pouco a minha cama. Será o Solstício de Inverno? Que me importa isso, se aqui dentro nada neva, nem gela, nem humedece.

Senti-te o frio agreste da ausência, mas ignorei, porque nada é maior que o sabor inventado da tua pele sobre a minha. Solto o meu cabelo nas brisas frescas de Junho e assusto as sombras polutas dos meus olhos – sinto um nardo de flores a crescer no prado dos meus dedos e toco-te a sombra sobre a minha.


Sinto-te ao meu lado e pinto o céu, rejeitando a gradação de chumbo. Sigo em direcção ao dia, que fica ali ainda longe, quase na outra margem. Beijo-te sem infringir quaisquer regras de pudor e trago-te no coração, onde ficarás no sempre do meu dia.

terça-feira, 11 de junho de 2013


Sorry, sorry

Parece que terei deixado 3 perguntas por responder, mas ok não se zanguem, respondo agora, aqui vai:

Qual foi a maior loucura que já fizeste?

R. - Das que se podem dizer aqui, foi atravessar o norte do México, de carro, desde San António, até à Costa do Pacífico, em 48 horas.


Qual a cor do teu telefone?

R. - Branco


Que toque tens?

R. People are Strange - Doors e para uma pessoa tenho Quase Perfeito - Donna Maria



UFF Agora já não respondo a mais nada !!!!!
Beijos e abraços

O que há em nós


Há entre nós um entendimento

Que vai para além do terreno e do profano

Há…

Um entendimento que alarga a longitude do olhar

Até um campo visual,

onde se despem as metáforas

e se veste uma rima derradeira

que ofusca a constelação lunar

 

Há entre nós, chispas de lume, estrelas nos cabelos

E notas de pele, notas de babel

a inaugurar a pauta de uma alma

 virgem e vazia

 

Há em nós um mesmo Deus, uma ode infinita à mesma luz

Há entre nós….

Um verbo, um lugar

Um rir e um olhar

 

Há,

entre nós…

Uma janela aberta sobre um quadro de Picasso

Um caminho aberto num quadro de Monnet

 

Há entre nós um entendimento

de silêncio e pólen,

de flores a marinar em Primavera

domingo, 9 de junho de 2013

Ser

... Passa-me pela cabeça voar e no entanto a terra é firme. Passa-me pela cabeça o poema  - mas já existe e encontro-o ali mesmo na parede.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Não sei porque te escrevo


Escrevo-te daqui do meu silêncio

….e nem sei bem porque o faço

Não sei porque te escrevo

Escrevo-te

Como gotejar de nuvem na ponta dos meus dedos,

Prenúncio de monção na minha alma

Escrevo-te

Para te dizer que cada aresta da calçada

me segue, nos rastos do passado

 

E assim viro, em fuga, a esquina do tempo

 

Escrevo-te daqui, do avesso de mim

para te dizer que a tua pele,

 é um pássaro azul, raro e único

que voa sobre mim,

orvalhando as azáleas plantadas nas margens

dos meus medos.

 

É por isto que te escrevo – talvez.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

"Quase Perfeito"


Fica por aqui a tocar, uma música que adoro e que ouço até "riscar"


Não sei onde estás



Às vezes sinto mais a distância - não sei onde estás.

Não te sinto aqui, perto de mim. Hoje não.

O mundo é ali e dura apenas esse instante

Releio, indecisa, o teu poema
A cidade lá fora, arde
Numa luz fosca e trémula
Entendo o dedilhar de cada verso
Sinto o crepitar das brasas por trás do teu cabelo
E o mundo é ali, e dura apenas esse instante

Primavera



Hoje é que não me apetece mesmo nada estar aqui. Valem-me as músicas.

Hoje estou feliz.

Por tanto e por tão pouco.

Hoje há Primavera nas margens dos meus poros.



Noite

Os dias e os momentos mais especiais tiram- nos o sono?
Hum....


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Resposta



Amigos,

Em resposta às 3 questões que me colocaram sobre se os últimos textos que publiquei eram de algum modo, directa ou indirectamente auto-biográficos, respondo-vos o seguinte:



É muito importante para vocês, a obtenção dessa resposta?




Beijinhos,

P.S. - O amor é um lugar estranho, percebi isso na infância.

Estranho Lugar o do Amor - 4


“E agora eu vou-me embora

  E embora a dor

  Não queira ir já embora

  Agora eu vou-me embora

  E parto sem dor”

 

 Sérgio Godinho

 

 

A casa era a mesma. Com o portal a desmaiar sem cor, pelo passar do tempo e pelo não passar de nada.

Esse entardecer era como os outros, pincelado de um lilás difuso, mistura indissolúvel do Verão com o lugar. Com aquele lugar.

Os entardeceres ali eram sempre iguais, mas, paradoxalmente sempre diferentes dos entardeceres dos outros lugares do mundo.

Todos os vizinhos sabiam disto, destas coisas simples, menos o marido sem nome que ainda ali morava.

Nesse entardecer, não sei muito bem porquê, não mo contaram os vizinhos e eu não perguntei

A mulher

A Florinda

depois de uma longa e apurada meditação

Decidiu quebrar o silêncio de si própria

E fez-se gente

E falou. Apenas com ele é certo, mas falou. Abriu a pele e mostrou-lhe as feridas.

Ele olhou-as, olhou-a e nada viu. E ela não se importou que ele não visse. Que lhe importava o seu silêncio, se tinha rompido com uma amarra qualquer?

Que lhe importava morrer de improviso o seu sentir? Se a dor das palavras tinha voltado e ela,

agora já mais velha

A mulher do sótão

A mulher só

A mulher amor

A mulher cativa

Que lhe importava morrer ela própria de improviso, se a dor das palavras tinha voltado e ela sem saber o que fazer, sangrou

E ele olhou-a e ela olhou-o

Ela não esperou por mais nada. Alinhavou e caseou a decisão. Saiu da casa, pela porta de entrada. Passo rápido e seguro em direcção a nada, em direcção a tudo.

Contam os vizinhos que ele desapareceu de lá, da casa, mais tarde, mas não muito mais, fechou a porta e levou o cão. Consta-se que parecia perdido, que se afogou na bebida, depois no jogo. Por fim no mar. Consta-se que não morreu, que apenas navegou para longe. Para muito longe.

Ela continuou o seu caminho em direcção ao tudo que ela pensava ser nada. Ficou mais ou menos por ali, por perto de mim. Abordei-a uma, outra vez, falou comigo, primeiro a medo e depois não. Sorriu, muito pouco mas sorriu.

A dor de ter perdido a casa e o cão era uma constante no fundo dos seus olhos. Pensava eu que a dor era por isso. E ela disse-me que sim, que era.

Aquele edifício que fugia ao habitual de outros do género, o tal que era mais bonito, diferente, acolheu-a de novo e ela sentia-se a habitar o paraíso.

O tempo passava igual a si próprio, enganando tudo e todos, menos a ela. O sorriso estava lá, as palavras escorriam-lhe agora, claras, com brilho, como uma chuva de estrelas caídas do céu da boca.

Mas os olhos. Os olhos dela tinham sempre uma cor estranha, uma tonalidade esbatida numa tela vazia, como se o pintor não soubesse ainda o que fazer do quadro. Como se o pintor não conseguisse expressar o sentimento. Pincelando apenas.

Assim eram os olhos dela.

De que cor serão os olhos da ausência?

… como falar dos olhos dela? Tinham sempre dentro deles a maior tristeza do mundo, daquelas que desenterram os poemas do fundo dos poetas, mas que entristecem ainda mais a própria tristeza. Por isso desviava do dela o meu olhar, porque mais triste que os olhos dela seria esta inevitabilidade de não saber calar em mim, o poema triste. Eu, que nem sou poeta….e que nem sei se escrevo por desejo ou cobardia ou por pura heresia, mas que me decalco e inscrevo. De tristeza também, por vezes.

Nada porém que se assemelhe aos olhos dela.

Esta mulher já não tinha o marido sem nome, nem tinha a casa, é verdade, mas tinha outra, sem sótão e sem grades mas trazia-o ainda enrolado no seu dedo anelar.

Não tinha o cão, é verdade, mas tinha a vida, na palma da sua mão. Inteira, aparentemente inteira.

Falei-lhe tantas vezes das flores

Do céu

Das crianças

Da chuva

Do céu e do mar

Das aves e

Da sua impossibilidade natural de voar

Expliquei-lhe que não voava como as aves

Mas que era tão volátil quanto elas.

 

Falei-lhe de tantas coisas,

 

Arranjei palavras mágicas

 

Senhas

 

Nenhuma mudou a cor daquele olhar, da cor da noite, da cor do exacto momento em que a ausência fecunda a solidão.

E da cor que na periferia noite adentro

Almeja apenas as mãos

Apenas as mãos

Uma despindo a outra

Até ao último nó.

 

Falei-lhe por fim, um dia, já em desespero da

Única coisa que,

Não mudaria o seu olhar

Nem que eu fosse louca

 

O marido, o marido sem nome que partira com o cão

Para parte incerta

Logo a seguir a não senti-la certa. Para ele.

 

Espero, observo

Nos seus olhos pardos o passado pesa

E há ferida e há dor e tudo inflama.

De repente quisera não ser eu, poeta ou passo ou autor do mote ou palácio erguido num confuso brio.

 

Observo de novo a cor dos olhos, e consigo defini-la

Castanhos

De brilho

Na margem de cá

Cá, sempre cá.

Fico, reservo, esqueço e lanço ao rio o tonel dos meus anos.

Olhei-a estarrecida. Nada digo.

Pego nela, arrasto-a comigo entre risos, canções, entre mares e corações

E chego com ela à outra margem. Livremente.

Olho-a, olha-me e sorri. Grita em silêncio a vitória, a liberdade. Rejubilo e bebemos até cair. Eu e ela.

A palavra está enterrada, cardíaca, a alma reclama o seu desejo último, ávida, secreta.

Ao acordar ainda lhe falei dos caminhos por trilhar. De todas as outras casas, de todos os outros cães, e de todos os outros maridos. Todos menos um: o que não tinha nome. Olhou-me com doçura, deu-me a sua mão, consentiu na entrega e com os olhos outra vez sem cor, perguntou-me: Mas se ele voltar?

Se ele voltar tenho que mudar de margem.

 

 

 

Estranho Lugar o do amor - 3


SÓ MATANDO O AMOR É QUE ELE ACABA

 

Não sei, de verdade que não sei, quantos anos passaram. Os suficientes para não me lembrar de quantos.

O lugar era porém, o mesmo: o da mulher doce que tinha um marido sem nome e um cão… que agora dormia, de novo no pátio e que já conseguia coabitar com animais. Mas apenas com alguns: os gatos vadios que por ali se juntavam. Só com esses.

Talvez fosse importante para percorrer mais facilmente o fio desta meada, quantificar o tempo que passou. Mas não sei, de verdade que não sei.

Talvez fosse importante ter contado as estrelas no céu, para perceber se agora há mais, ou menos, mas não contei. E agora não me lembro de quanto tempo passou.

A única pista que tenho é que a mulher era já muito mais velha e até eu, já quase o era.

Pelo menos ela achava isso, que eu era já demasiado velha, talvez até algo senil e por isso, deixou de me contar as suas coisas.

E assim, durante muito tempo, deixou de ser a estrela do meu filme, a mesma da galáxia da fronte dos meus olhos.

Os vizinhos iam dizendo coisas, que já não estava só, que o marido voltara, que enlouquecera. Eu apenas sabia que ele continuava a não ter nome, como sabia que ela sempre se chamaria Dulce. Sabia ainda que o sótão tinha sido aberto. Eram coisas que sabia, que sabia assim como quem sabe coisas simples, como o dia sabe que se lhe segue a noite, como o mar sabe que a areia o espera. Coisas terrenas, mas simples, muito simples.

Como ela, já não me contava nada e o que os vizinhos diziam era etéreo, inconsistente… saí de dentro de mim e, espreitei, espreitei a medo

Pela fechadura de uma porta da casa

Uma porta de um quarto iluminado, apenas por um laivo de luz que

Timidamente surgia pela também tímida frecha da persiana  fechada.

Vislumbrei na penumbra um drama ainda adormecido

22 horas e 22 minutos, marcava o meu relógio de pulso. A mesma hora que marcava o outro relógio, no outro pulso que estava na penumbra, num pulso que ainda dormia.

Havia roupas espalhadas pelo chão, capas de velhos discos de vinil e muitas velas apagadas aleatoriamente distribuídas pelo quarto.

Algo naquela casa havia mudado muito desde que me lembro.  Algo mudara muito, porque no outro tempo, não havia discos de vinil. Isso pelo menos não havia.

A ambiência de sombra e luz, de penumbra e medo, revelaram-me um garrafa vazia e dois copos e o buraco da fechadura afigurava-se-me pequeno para prosseguir em direcção a qualquer coisa, a sua salvação, convencia-me. Questionava-me se a pequenez deste buraco não comprometeria o meu objectivo.

Encontrei rapidamente a resposta, que diabo, a salvação não dependeria nunca do tamanho de coisa nenhuma.

Um dos copos ainda estava de pé, encostado à mesa de cabeceira, o outro caído no chão,

Caído sobre um tapete roto, roto e verde, manchado de um vermelho muito escuro.

Tinto de vinho ou tinto de sangue, não conseguia distinguir.

Uma das capas de vinil ainda com vestígios de cocaína.

Branca.

Neve.

Branca de Neve.

Parecia, de repente uma história infantil.

Ingénua.

Parecia e era.

Uma capa de disco de vinil com vestígios de procura vã.

Inspiração - expiração - Beatles, talvez.

Uma nota enrolada

Um homem nu dormindo, agarrado a uma almofada. Era ele, já velho mas era ele, o marido sem nome. Que voltara, voltara mas diferente.

Assim, olhando de repente, a partir de dentro, mas do lado de fora, até parecia uma criança ingénua, afogando no sono o medo. O medo do acordar.

A imagem fez antever o drama e o quarto tinha duas portas, uma que dava para a cozinha e outra que dava para o corredor. O corredor dava para o sótão. Ela estaria lá, presumi eu, não forçada, mas livremente, aguardando outro milagre.

O quarto tinha também duas janelas, uma dava para a traseiras, para os vizinhos, e estava completamente fechada, trancada, cimentada. A outra dava para um pátio lateral, agora albergue de gatas vadias que para ali iam ter as suas crias e que por ali ficavam até que estas, as suas crias, se tornassem gatas independentes e fossem também vadiar. Para outros pátios ou para outros mundos. Buscando o que de bom o mundo da vadiagem tem para dar: a liberdade quase absoluta! A fome e o frio são compensados pela liberdade.

Livres são todos os gatos mas nenhuns o são tanto como os gatos vadios.

 

Eu pensei desde que me incluí nesta história que aquela mulher, a Dulce, queria um dia ser assim: como os gatos vadios, livre.

Mas não era assim, ela pensava que queria, mas de facto não queria, ou não podia, porque o amor que sentia não era livre, não era atípico, era de um lugar estranho.

Pelo buraco daquela fechadura, emanavam cheiros difusos, efémeros, mas intensos

Cheiros de perfume

Cheiros de incenso

Cheiros de velas derretidas

Cheiros de vinho,

De suor, de prazer, de lágrimas, de gritos

E

De raiva, de dor

Cheirava a morte

Que deixava antever um qualquer drama.

Talvez os vizinhos percebessem pelo cheiro, que a deveriam salvar de novo, nem que fosse para o mesmo asilo. Ou talvez não.

O homem nu que parecia ter medo de acordar estava lentamente a despertar. Não fosse não ter nome e poderia tê-lo chamado. Atraído por qualquer forma. Aqui para o lado de fora.

O seu corpo parecia sentir o cansaço e a dor do prazer que não recordava.

Assoou-se e percebi que a sua amnésia era quase total.

Este homem sempre foi mau, mas antes, quando não tinha partido para aquele lugar, onde ela o foi visitar sempre, mesmo sem ele pedir, não era amnésico, não sabia ainda que se faziam viagens em direcção a ela. Dantes, bastava-lhe apenas ser mau.

Não conhecia ainda aquele milagroso pó branco que trazia à tona de si o melhor e depois o pior logo a seguir e inevitavelmente, o pior.

Que acontecia agora, nesse momento, nesse despertar, que nem lhe permitia distinguir se os arrepios que sentia, eram frio ou maus presságios.

E sentia-se assustado

Esfomeado

E pensava nela. Só pensava nela porque tinha fome, mas ainda assim pensava nela. Onde estava ela?

Doía-lhe a  alma e doía-lhe o coração mas nem se lembrava porquê, e só se lembrava que tinha alma e coração, porque lhe doía. E tinha pena que nunca se tivesse lembrado antes.

Antes da Branca de Neve.

Chamou-a muito alto, pelo nome, e sabia que ela iria chegar, submissa e dócil como sempre, para lhe preparar uma qualquer refeição, gordurosa com pão, muito pão, aquecido  no forno do fogão a lenha, e sabia que ia lamber aqueles beiços animalescos e que se ia atirar de novo para cima da cama e regalar-se com a refeição que a fome e a ressaca transformariam num verdadeiro festim.
Mas ela não respondeu. E não veio. Pelo menos logo.

Tirou o cinto, devagar, preparou-o de modo a desferir à sua entrada, um primeiro golpe, doloroso e certeiro.

O cinto já estava acostumado. Porque o cinto era velho, muito velho!

Olhou novamente o quarto e desta vez viu-o real. O quarto real tal como se tinha tornado nessa noite.

O drama tornou-se visível. Tomou forma. Os copos eram dois.

Onde estava ela?

No quarto, o drama brincava, astucioso, matreiro, mas real tremendamente real.

Levantou-se, saiu e foi ao sótão.

Ela estava lá

Inerte,

Gelada

Aparentemente não sentia nada. Nem fome, nem dor, nem cansaço.

Nada, não sentia nada

Mas estava viva. Ele sabia-o. A cocaína não mata ninguém à primeira.

À primeira é apenas a Branca, a Branca de Neve.

Ela voltaria a sentir. Não que isso lhe importasse, mas importava-lhe não voltar ao inferno de onde ainda agora tinha saído… isso sim, importava-lhe.

Puxou do cinto. Estava nu, mas tinha trazido o cinto. E bateu-lhe, bateu-lhe muito, não para lhe fazer mal, mas para que ela acordasse e assim não lhe causasse mal a ele.

Ela acordou, lentamente mas acordou. Olhos vidrados. Percebeu que ninguém a salvara e caminhou para a cozinha, para preparar a gordurosa refeição.

Ele lambeu os beiços de animal e amaldiçoou o único momento de partilha da sua vida. Não por ela, não , apenas porque  o preço poderia ter sido ainda mais alto. Mais alto do que a dose que tinha desperdiçado, e partilhado com ela num momento de loucura.

Afastei-me do buraco da fechadura, vencida, amaldiçoando aquele meu triste comportamento. Deseducado, embora consequente.

Lá fora os gatos pequenos brincavam ruidosamente. Podia ouvi-los a lutar uns com os outros, em brincadeiras de faz de conta. Miavam com alegria e entusiasmo enquanto as mães, aproveitavam para reunir forças para a próxima mamada. Que força têm as mães, na natureza. E as crias, que sorte! Como deve ser bom poder brincar despreocupadamente e sentir-se que se está protegido pela maior força da natureza. A força invencível da maternidade.

Não consegui falar com a mulher, a Dulce, mas gostaria de o ter feito. Só para lhe dizer que fizesse o que pensou tantas vezes fazer. Que partisse.

Como um gato vadio, em direcção à liberdade.

Que fosse uma mulher só, num destino desconhecido, num novo começo, talvez.

Agora, apenas, partir.

Mas,

Não consegui dizer-lhe, não consegui falar com ela.

 

TUDO TINHA MUDADO DE FACTO, MAS SÓ MATANDO O AMOR, O LUGAR DEIXARIA DE SER ESTRANHO.

 

Estranho Lugar o do Amor - 2


ESTRANHO LUGAR, O DO AMOR

OUTRA VEZ

 

“Porque percorres o céu inteiro à procura da tua estrela? Poe-na lá”

Virgílio Ferreira

 

 

A mulher era já mais velha. Só um pouco. Mas sim, mais velha.

Continuava a falar pouco. Mas sim, já falava.

E sorria. Sorria mais, não sempre.

Mas mais.

Continuavam a chamar-lhe Dulce, que era o nome dela. Os nomes nunca mudam. Mesmo que as pessoas queiram.

O cão era ainda mais fiel à dona do que dantes. Os seus olhos eram ainda mais de mel. Da cor e do sabor.

O marido, o tal de que não sei o nome, continuava por lá. Diziam que sim. Eu nunca mais o “vi”. Mas sabia, sabia que continuava por lá, a ser, como antes, o dono absoluto de quase tudo.

Naquela mesma casa….

Dono de todas as chaves e do coração dela que nem chaves tinha.

Só não conseguia ser dono do cão. Não era dono do cão porque o cão não deixava. Sabia desde sempre que a sua dona era ela.

Foi num entardecer, igual a todos os outros, todos igualmente diferentes e todos diferentemente iguais.

Um entardecer qualquer.

Um daqueles pedaços do tempo, das horas, dos dias, de todos os dias.

Um pedaço de tempo, que tanto pode ser o princípio como o fim.

Que tanto aproxima como separa.

Que tanto une como isola

Que tanto esconde como revela.

Um daqueles entardecer

Onde se vislumbra já, um projecto de noite emoldurado na

Um sol e uma lua apaixonados.

Um sol e uma lua caminhando apaixonadamente um para o outro.

Era nesse exacto eixo do tempo que ele, o tal marido sem nome chegava à casa. Dia após dia.

À tal casa, que podia ser a de uma fotografia. De uma fotografia qualquer. Mesmo que a fotografia fosse tirada num qualquer entardecer.

Nesse dia o sol e a lua beijaram-se no mesmo momento de sempre, como se nada tivesse mudado.

Mas ele não chegou.

 

Soube-se, pela vizinhança, que cometera um crime. Não me lembro qual, ou não perguntei. Era só mais um.

Outro qualquer, concretizado noutro lugar que não o sótão, que não a casa.

E ela ficou só. Por vezes apenas. Outras não, porque ia visitá-lo. Ia visitá-lo sempre que podia.

Sem que ele o pedisse. Mas ela ia.

A mulher, não tinha ainda dito, era doce, talvez por isso se chamasse Dulce, e sorria agora, não muito ainda, mas mais que sempre. Ela ficou só, é verdade, porém, paradoxalmente, a solidão saiu. Saiu, não pela porta da casa, mas pela porta do coração dela.

O cão dormia com ela na casa. Antes não. O cão tinha um estranho comportamento. Não convivia pacificamente com mais animais. E antes não dormia com ela dentro da casa. Era essa a razão.

O sótão foi fechado, mesmo sem fechadura foi fechado, e a mulher passou a sair à rua, primeiro apenas para se enfiar nas estações de camioneta de cheiro a óleo queimado para ir ter com ele, aos fins de semana.

Mas depois, depois passou a sair um pouco mais. Um dia até foi à feira. Devagar e a medo, mas foi.

E lá, até prendeu o olhar noutro ponto que não a imagem dele. Momentaneamente é certo, mas prendeu.

Prendeu mas não ficou presa.

Porque preso estava ele, por um crime que não cometera, acreditava ela, pensava ela - mas estava.

E ele precisava dela e ela precisava que ele precisasse dela. Só por isso não ficou.

Talvez os vizinhos estranhassem vê-la sorrir agora mais que sempre, talvez estranhassem, mas nunca lhes perguntei e eles nunca mo disseram. E nunca lho disseram. Mas ela sabia-o.

E também sabia que sorria mais que dantes, mais que nunca e também sabia, pensava ela, que não devia.

Sabia agora tanta coisa, que até sabia que talvez fosse isto a felicidade, ou por lá perto.

Sabia, ou sentia, ou sentia que talvez soubesse.

E o cão sabia ou pressentia que mudara de dona. E até sabia a razão. O cão sempre soube de quase tudo, ou pelo menos os seus olhos de mel diziam que sim, que sabia.

Os ratos não. Os ratos morreram no sótão e aí secaram e apodreceram.

Tinham aparecido no sótão livremente, é certo, mas em busca da sobrevivência, e por isso, livremente mas condicionados ao instinto da sobrevivência. E lá morreram, porque lhes faltou o alimento. Ela.

Mas que lhe importava isso? Nem o cheiro lhe importava. Nem o cheiro, nem nada. A leveza do sorriso, alheava-a do mundo. Do mundo, mas não dele. Do marido sem nome e sem registo.

Nunca se alheava dele. Ou pelo menos assim acreditava. E assim me fez acreditar.

E dia após dia, chegava sempre o entardecer, igual ao outro em que ele não chegou.

Um entardecer em que mãos entreabertas, olhos cerrados e corações encantados, procuram sempre um breve encontro.

Entardecer em que há um encanto, que o outro encanto, o do tempo imparável e intemporal os obriga de novo a afastar.

Era apenas mais um entardecer

Que une quem tem a quem se unir.

Os corpos unem-se aos corpos

O sofá une-se à televisão

As bocas unem-se ás bocas.

Os homens às mulheres e,

até

As mulheres às mulheres

E os homens aos homens.

As crianças aos pais

Tudo se une

E há quem se una simplesmente à solidão.

Mas esta mulher não.

Não unia o estar só à solidão.

Talvez fosse o cão dentro da casa a mudar tudo….

No entardecer seguinte era Natal. O ritual repetiu-se, vestiu-se de preto para os vizinhos e para ele.

A cor preferida dela era o azul, mas não lhe ficava bem. Azul era a cor do céu. Nunca seria a dela. Pelo menos por agora.

 

E lá partiu de novo, ao encontro dele. Cheiros à parte, o do óleo queimado que tresandava pelas velhas estações de camioneta misturado com os cheiros da canela, baunilha e outros mais, os do Natal.

Com o pensamento longe, nas curvas da memória, chegou, por fim,  ao destino do seu agora destino.

Um lugar estranho, mas para ela já familiar, mas só subtilmente familiar.

Num ápice, apagavam-se-lhe da memória as náuseas do caminho, causadas pelas curvas, pelo cheiro e pelo desejo exasperante, quase doentio de que o autocarro errasse o seu destino e se perdesse para sempre noutro tempo.

Ele entrava, e ela achava-o único - vestido de igual a todos os outros que ali estavam, é certo, mas diferente, pelo menos para ela. E estava certa….

Nunca antes tinha tido um Natal com ele. Nem sem ele. Nunca antes tinha bebido um refrigerante. E nesse dia sim, bebeu. Nesse dia ele chamou-a pelo nome e ofereceu-lhe uma bebida. “Canada Dry” acho eu. Foi ela que me disse, descrevendo o seu sabor.

Descreveu-o como único. Mas não era literalmente esse sabor  que ela tinha achado único. O sabor único, era o pouco quase nada de ele lhe chamar pelo nome. Pelo seu nome.

E depois entardeceu. Entardeceu de novo. Docemente.

Era só mais um entardecer

Onde de novo se unem sol e lua

Inevitavelmente

Mesmo que não o façam com paixão.

Mas,
Para ela foi um entardecer único

Breves  palavras, sem significado

Trocadas

Arrancadas

Mas palavras

Diferentemente do antes

Do deserto das palavras

Pela única vez sentiu que se chamava Dulce. E sentiu-o porque era doce, muito doce.

E lá partiu ela em direcção à casa da liberdade. E lá partiu ele, para dentro, não interessa em direcção a quê, nem para onde.

Ela sorriu, sorriu muito, mas só na rua!

Sabia que ia voltar.

Só não sabia era quando.

 

TUDO MUDOU

TUDO MUDOU aparentemente, MENOS O AMOR!

 

 

“A esperança seria a maior de todas as forças humanas, se não existisse o desespero”

Victor Hugo