segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Castelos


Desde que te conheci que comecei a construir um castelo.

Um castelo cheio de torres e muralhas especiais, cheio de curvas e ameias, janelas e lendas de encantar. Todos os sítios por onde passámos, onde nos tocámos, estão aqui no castelo que construo; existem torres feitas de corpos pelo chão e ameias - janelas de quartos em arranha-céus no centro de cidade, ao amanhecer; as ínvias muralhas são espaços pequenos onde tu sentado me espreitas a vida e eu acredito renascer com o elixir do amor com que me brindas. Torres, existem torres no castelo, que trouxemos do castelo de verdade onde numa esquina meio escondida me abraçaste e beijaste mal a tarde tinha começado e as azedas nas encostas pintavam de amarelo o nosso olhar.


O castelo que construo tem brilhos e purpurinas de palavras ditas, conversas a escorrer pelas paredes húmidas e olhares de musgo pintados nos cantos a que ninguém pode chegar. Há um recanto no castelo de onde se avista o mar, se ouve o frémito grito das gaivotas em êxtase lunar e crescem heras na parede, orvalhadas pela espuma. Só tu e eu somos caminhantes nos corredores desse castelo onde crepitam chamas antes do incêndio consumado. Deitamos fogo à torre principal e depois a nós e ardemos pelas horas, carne e pele adentro, sem que em nós existam cicatrizes.


Desde que te conheci que comecei a construir um castelo, tão livre e nu, tão etéreo e único, que não tem uma única parede e se avista de todos os sítios especiais em que estivemos e dos outros, os que existem apenas na memória. Na memória das pedras.


Desde que te conheço que deixei de ter coração de castelo abandonado.

Nunca te encontrei em nenhum verso



Não há no mundo inteiro poesia suficiente para falar de ti
por isso nunca te encontrei em nenhum verso

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Elixir


Não consigo dizer-te a palavra certa
nem descrever o sabor e aroma
do mágico elixir que me acordou
do sono eterno

não consigo
porque me escorre o teu amor pela garganta
alagando os suspiros
que dão mote às palavras

Não consigo dizer-te a palavra certa
porque me corres por dentro
como rio de caudal imenso
como rio
que aplacou no porto do meu peito


não consigo a palavra certa

Semente nua



Hoje sinto-me semente nua com vontade de apodrecer, para poder depois  germinar no principio de todas as coisas.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Vives tantas vezes na raiz das minhas lágrimas


Por vezes vives na raiz das minhas lágrimas. Vives no sítio onde me nascem rios salgados que de tão aprisionados pelas margens sabem-se sem esperança de alcançar os sete mares. Sobes-me ou desces-me as colinas e danças-me inevitavelmente na retina. Inevitável e lento, trémulo e periclitante na lágrima retida; trémula, ali, a lágrima por cair, ali de onde o mundo se reflete pardo e desfocado. Vês como eu, o mundo desfocado e pardo, num porvir absurdo que nos falece antes que seja. Por vezes fazes pequenas ondas no lago dos meus olhos e tremulas ao vento a bandeira da revolta: queres que eu seja tempestade, que tudo apague, que tudo lave, que tudo; mas a lágrima, mareada e sombria, grita e força a grade para rolar livremente pela face. Evito a queda, porque não quero que roles com ela até ao chão e te sujes no sangue que escorre dos meus pés. As caminhadas foram sempre longas e os caminhos pródigos em gumes. Soubesse eu que as lágrimas corriam só em direção à boca, soubesse eu que as lágrimas em que me habitas corriam sempre em direção à boca; soubesse eu e soltava-as nessa liberdade de sal aquoso; deixava-te entrar de novo em mim. E de novo, de novo, sempre de novo, deixava que voltasses a ser líquido, quente e terno, recolhido, na raiz das minhas lágrimas.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Antes e depois de ti: nada.


O teu beijo apagou-me a memória de todos os beijos
A tua mão apagou-me o toque de todas as mãos

as tuas palavras apagaram de mim a memória das outras palavras

o teu corpo apagou de mim a memória de todos os corpos
do mundo