quinta-feira, 31 de outubro de 2013
SENTIR
Este sentir, este sentir enorme,
estas emoções inusitadas
que me arrancam de mim a todo o instante
como diminuo esta intensidade?
se no mar em vez de ondas vejo
prata e peixes de luar
se no céu em vez de nuvens, vejo fadas
e histórias de encantar
se nos olhos dos loucos, em vez de medo de voar
vejo abrigos brancos
castos e puros
e a conjugação do verbo amar
como?
se consigo ver a lua numa noite sem luar?
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
Casa
Quando chego a casa chego a ti
Não há outra casa que conheça senão esta
Esta casa - a que quando chego
Chego a ti
Pensamentos
E por vezes o meu pensamento é só um gato pardo, escondido na sombra - da ausência dos teus braços.
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Solidão
Muitas vezes passava horas a
olhar a lua e cortava assim em pequenas fatias os meus momentos
de solidão. Imaginava histórias que se passavam dentro dela, homens com sacos
às costas a fugir do mundo, silvados cobertos de amoras silvestres, amantes
rejeitados, gaivotas sem terra a fazerem teatros de sombras, palhaços despojados
de luz, pombas adictas de paz.
As horas que passava assim... quando nos relógios
apenas um segundo se tinha passado. Achava sempre que a lua me ia devolver um
sorriso, me enviaria um naco de luar ou um acorde de fado, um som sombrio - que
todos confundiriam com o uivar dos lobos solitários ali na serra.
Acreditava que a lua me roubaria a solidão, como rouba a luz ao sol e a esperança de chover - á chuva.
Passava horas assim, quando o ponteiro do relógio
descaía apenas um segundo o seu percurso.
Depois houve um dia que descobri
que a lua nunca me sorria, não me sorria, não me iria sorrir por uma razão
simples: eu era invisível; ainda sou. Sou Invisível. Serei sempre invisível na minha solidão. Também aos olhos da lua.
Momentos de Coragem
O momento de coragem
Que me fez chegar à tua porta
E entrar
É o mesmo momento de coragem
Que me acompanha
Quando meto a chave à minha porta
E sei
Que não é a ti que encontrarei.
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
Metamorfose
Talvez quisesses saber onde estou agora. Estou no sítio onde estão todas as pessoas que já se sentiram amadas, a olhar um livro, a escrever um texto, a reter um cheiro, a escrever um nome no vidro embaciado da janela, a beijar os dedos já beijados por alguém, a morder a tristeza e a expulsar a ansiedade. A percorrer caminhos até ao cume dos meus seios, na esperança de ser abalroada pelas tuas mãos. Estou nesses sítios todos, em todos ao mesmo tempo, onde a vida não pára, onde se anda aos tropeções, porque o espaço é pequeno e as recordações são muitas . Talvez quisesses saber de mim muitas vezes em que não sabes - e olha, estou sempre lá nesses sítios; nos sítios em que folhas caem nos meus braços e me lembram outros toques, outras peles; nos sítios onde a água me gela os pés descalços e onde o fogo queima a estradas que a tua língua deixou em carne viva.
É aí que estou agora, no rescaldo do incêndio que ateaste e que demorarei milénios para combater. É exatamente aí que estou agora, no início da metamorfose: de mim - em água; de mim - em nada.
domingo, 6 de outubro de 2013
(In) significancia
Parece um sentir abissal
algo indestrutível
Mas há momentos
que é apenas uma leve pena
a despenhar-se no vazio
uma gota de água
a evaporar-se no sol de Inverno
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
Mais fundo
Nada mais forte e mais profundo do que ser capaz de em cada dia ir ainda mais fundo no amor. E quando o fundo já é fundo, descobres ainda que podes ir mais fundo.
É forte e é profundo, quando nunca há fundo.
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
Mortos
Quando tudo se intensifica por dentro e nasce vida em cada pequeno respirar, descobrimos que já tantas vezes estivémos mortos - e nunca percebemos.
Entre dias
Entre o dia em que te conheci e o dia da minha morte, na última das vidas: todos os dias serão teus.
terça-feira, 1 de outubro de 2013
Música
Todos os dias acrescentas uma nota musical ao meu sorriso. E é assim que uns dias sou balada e no outro samba ou fado. Todos os dias sobes e desces nessa escala musical. Todos os dias fazes de mim uma canção.
Amanhã só para ti
Dizias-me hoje, assim meio em silêncio: Amanhã será tudo só
para ti.
E eu fiquei a sonhar como seria esse amanhã, em que tudo,
tudo, seria só para mim. Lembrei-me desde logo do sorriso e de como seria tê-lo
só para mim um dia inteiro, sem partilha, sem um relógio a bater partituras
de ir embora, sem a pressa que o apaga e momentaneamente lhe tira o brilho. O
sorriso, o teu sorriso brilho.
Fiquei a sonhar como seria este amor transmutado para a
realidade, subtraído do seu espaço sempre tão curto e tão etéreo. De como seria
sorrir-te enquanto dormes e entrar devagar nos teus sonhos, antes de ti. E poder
fazer isto hora após hora. Como seria não perder de vista a tua mão, na
escuridão das noites. Como seria pôr o teu lugar na mesa.
Dizias-me hoje, em silêncio: amanhã – tudo - só para ti, só para
ti. E eu fui logo mandar limpar o vestido novo, a toalha de linho que se
entedia na gaveta; e garantir que a campainha da porta não está avariada, com
aquele toque rouco que me faz sempre ignorá-la e confundi-la com sons que não conheço.
Amanhã, que bom, esta aliança que uso será nossa, e vai
parecer-me nova apesar de há muito ter perdido o brilho; amanhã dir-te-ei coisas
simples, como por exemplo: que nunca antes ouvi palavras como as tuas, dir-te-ei
isso num leve deambular de olhos, colocando a boca colada ao teu ouvido. Dir-te-ei, por exemplo, vários verbos, que te preciso, que te sonho, que te bebo, que te escrevo, que te amo.
Depois quando o dia acabar: o amanhã; quando o amanhã seguinte
for real, o outro amanhã em que não estarás aqui para seres apenas meu, vou
sentir-me só, com falta de uma asa, como se essa falta fosse um defeito de
nascença, que não se corrige com nada deste mundo.
Dizias-me hoje, assim meio em silêncio: amanhã tudo será só
para ti e em silêncio senti-me inteira, com duas asas para voar.
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