segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Abril, 2


Hoje respondi-te. Mas só banalidades. O que te queria ter respondido era diferente. Algo assim:

Vem daí e traz as folhas, marco-te um encontro ali em baixo junto ao rio. Chega. Senta-te na toalha de linho que tirei da arca, a mesma que nunca serviu em toda a minha vida. Queixas-te do cheiro a antigo da toalha e eu borrifo-te o ar com baunilha e âmbar.

Vem daí e espalha essas folhas pelo chão, faz desenhos, uma cruz, um quadrado, e os mais que te ocorrerem … acaricia os ninhos que se escondem na folhagem e fustiga depois, com os mesmos gestos: a minha timidez. Lê, lê agora aqui junto a mim tudo o que escrevi. Em voz alta, diz-me o que não sei, diz-me por palavras tuas o que escrevi. Diz-me que me lês, diz-me agora. Diz-me o que quero ouvir.

Depois deixa-me beijar-te as mãos e depois a boca, deixa-me representar um a um os personagens em que me transmuto, deixa-me que um deles seja eu. Eu própria. Deixa-me escrever-te um beijo onde eu quiser.

 

Hoje escrevi-te, mas só banalidades lexicais. Não te escrevi o que queria porque há nos meus dedos uma gaivota com medo de cair, empoleirada num beiral de janela improvisado, à procura da beira do seu mar.

domingo, 29 de setembro de 2013

Contigo todos os dias diferentes

Contigo todos os dias são desiguais. Contigo até os dias normais são uma espécie de domingo. E os domingos uma espécie de "brunch" tardio dos sentidos. Contigo, até os dias de chuva podem ser domingo.
Contigo não há latitudes repetidas no rodar das horas, nem geografias planas de caminhos repetidos. Contigo, o tempo pára na desigualdade dos ponteiros que de repente se cruzam devagar, e segundo a segundo subtraem tempo aos nossos olhos. Contigo, todos os dias são dias de missa e de promessas, dias de adoração, dias de pecado, dias de contrição.

Contigo, até os dias normais são diferentes, mas contigo todos os dias diferentes são normais.

sábado, 28 de setembro de 2013

Primeira vez sempre

Lembro-me da nossa casa. Da tua. Da minha. Da nossa primeira casa.
Lembro-me do primeiro beijo, do primeiro toque, do primeiro abraço. Do sexo, da primeira vez. De todas as vezes em que sempre foi a primeira vez.
Lembro-me de todas as primeiras vezes. Lembro-me de ontem. De há pouco. Lembro-me do nosso primeiro filho. Da primeira vez que não soubeste.
Lembro- me. Pela primeira vez lembro-me, por último, que connosco tudo é sempre a primeira vez.
Nós somos a primeira vez.

Chuva

Chove, e és tu que me choves e me encharcas e me inundas .

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Falta



Sinto-te a falta em todas as esquinas. És a nota de baunilha e âmbar que falta no cheiro da terra molhada. O toque de menta ausente, no cheiro da relva cortada.
Falta. Sinto-te a falta. Pego na ponta das horas em que não te tenho e estendo-as ao sol num país em que as noites são pequenas.
E assim encolho a tua ausência.

Sei que depois, me entrarás pelas manhãs, enquanto sacudo ainda o orvalho que a noite me deixou nos ombros e, numa única palavra, atirarás o meu mundo pelo teu universo adentro.

Sinto-te a falta, mas sei que estás aqui porque vivemos de mãos dadas na  distância paralela dos sentidos.

Ruas desertas



Reparei hoje que já não consigo ver ruas desertas.
Depois de ti, não há ruas desertas.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Quantas vezes?


Diz-me outra vez
para sempre
diz outra vez
sempre
outra vez
diz, faz outra vez

quantas vezes cabem dentro de outra vez
quantas vezes, sempre?

quantos abraços cabem dentro do nosso abraço, quantas vezes abres os teus abraços em torno de mim, até que esse gesto seja apenas um abraço? Quantas vezes é um abraço para sempre? Quantas vezes é um orgasmo para sempre?
Quantas lágrimas são necessárias para molhar os nossos corpos? Quantas vezes temos que molhar os corpos para que soltem as lágrimas?

Diz-me outra vez quantas vezes foram
Diz-me para sempre quantas vezes são
Diz-me sempre quantas vezes queres
Diz-me
ao ouvido sempre
as obscenas palavras: para sempre.

Pela tua inteligência

Gosto muito de ti
Sim?
Sim, tanto que nem podes imaginar
E porquê?
Porque é que gostas.
Não sei

E mil vezes respondeu não sei, mas houve um dia em que percebeu que este diálogo  acontecia com a pessoa mais inteligente do mundo, e foi então que lhe ocorreu a resposta, uma das possíveis.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Cicatrizes



Às vezes olho para as cicatrizes. Depois olho para trás delas, para o avesso. Lembro-me que devia ter parado no momento anterior a tê-la feito.


Descobrir como se faz isso, era o remédio para quase toda a humanidade. Descobrir qual o nano segundo que antecede o momento da ferida, da cicatriz. E parar.

Resposta a Comentário


Caro Wilson,

O último texto publicado pertencerá sempre e apenas a este blog.
Não pretendo que o mesmo seja por qualquer outra forma publicado.

Fico grata pela oportunidade e pela crítica positiva.


:)

Únicos, nós


Chegaste a abraçaste-me com as palavras. Nunca ninguém antes o tinha feito. Já me tinham abraçado. Já me tinham dado palavras. Mas abraçar com palavras foste tu. E sentir-me abraçada com palavras é único. Único. Tu.

Chegaste, e fizeste das palavras uma dança do ventre – no meu ouvido. Levantaste o véu e letra a letra elevaste-me ao patamar mais alto de um miradouro a que nunca tinha chegado E de lá avistei o Tejo, e sobre ele peixes de prata saídos dos teus dedos; e desenhados em palavras de mel: todos os poemas de Pessoa; as palavras enleavam-se nas nossas bocas, respiravam espuma nas nossas salivas, misturavam-se como afluentes em rios e num momento único, o Tejo deixava a lua adormecer no nosso corpo. Misturar afluentes por palavras é único. Ver poemas de Pessoa no Tejo é único. Único como tu.

Chegaste e escreveste-me no corpo, depois na alma e numa noite de Verão, com salpicos de mar, rezaste-me –palavras- na vida. Para sempre. Deitaste-me palavras em pó num copo de água fresca e eu bebi. Serviste-me palavras à mesa, simples, em refeições simples, de simples palavras, quebrei o prato dos medos e saciei-me de vida. De amor. Amor único. Único como tu.

Chegaste com palavras no olhar e acordaste todos os pássaros que se escondiam das chuvas, num Jardim de Inverno. Único olhar. Se há palavras escondidas num olhar, esse olhar é Único. Desenhaste no chão com letras de luz: um abrigo; e dia e noite, noite e dia, alheia aos solstícios de Verão ou de Inverno, alheia aos ecos, alheia a tudo, dormi dentro dele como se habitasse o anti Inferno (que nem Dante saberia apagar). Um abrigo que tem paredes de palavras e o mar a deixar salpicos de espuma dentro dele é único. Único como tu. Como tu nada. Se nada é como tu. É único.

Chegaste e percorri-te com palavras o caminho sem regresso que vai das tuas mãos ao teu olhar. Devolveste-me a vida, a sede e a esperança, eu peregrina, tu caminho de Santiago. Para um peregrino, o caminho de Santiago é único. Como tu. Único como tu.

Chegaste como um mágico, e tiraste palavras e palavras da algibeira, acabando com o frio neste hemisfério. Erguemos bandeiras e fizemos nascer flores no meio de um império de betão. Fazer nascer flores num império de betão é único. Únicos. Nós

Preciso de ti

Esta noite precisava que viesses. Preciso do teu conforto, da tua companhia.
Preciso que me toques e me faças sentir que existes, que não és um amor imaginário nem uma personagem dos meus contos.
Esta noite precisava que me abraçasses enquanto te lia, em silêncio, as cartas que dia a dia te escrevi.
Esta noite, sim, nesta noite quente e escura, precisava que chegasses. Que usasses a tua chave e entrasses. 
Precisava mesmo de ti esta noite. 
Ontem queria que me beijasses, mas hoje preciso, preciso do teu beijo.

domingo, 22 de setembro de 2013

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Para sempre




Sempre


Para sempre


Soltam-se as palavras, estas, e agarro-me a elas como se eu fosse naufraga e elas: a maior âncora do mundo.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Tela


Há uma parte que é projecção
Há uma parte que é percepção
Há uma parte que se vê
Há uma parte que se esconde


Contorno os espinhos, mas encontrarei os caminhos
ou os caminhos encontrar-me-ão a mim
basta-me estar quieta


Levantas-me

Levantas-me o véu.
Levantas-me o vestido.
Levantas-me a alma.
Levantas-me ....

terça-feira, 17 de setembro de 2013

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

sábado, 14 de setembro de 2013

Atracção

Ando com uma grande propensão para atrair pessoas loucas e bizarras - principalmente através da net.

:((((


Mão

Seguras-me a mão e sinto-me  feliz. Ficamos, por momentos, assim, a ler frases soltas de Pessoa. A magia do momento espalha-se no ar, como uma poção que nos enfeitiça de amor. Digo-te, com o olhar molhado: para sempre. Sorris e beijas-me - devagar, sem soltar a mão.

Saudades

Temos saudades até do que temos.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Fogo e gelo, gelo e fogo



Sonhei com rotundas - de novo. Mas apenas no sentido da sua forma: círculo. Fechado.

Percorria, em mim e de mim para mim, esse círculo,em fogo. Depois percorria o mesmo círculo, de gelo. Eu era o círculo.

Acordei e pensei: Gosto da mistura do frio e do gelo, mas não gosto das duas coisas isoladas - uma vez uma, outra vez outra. Fogo e a seguir gelo. Gelo e a seguir fogo. Esta sequência perigosa, faz de mim um círculo de sensibilidade, primeiro inteiro e depois desfeito: em lágrimas.



quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Rotundas

Hoje reparei que quase todas as rotundas têm quatro saídas, quatro escolhas.

Hoje pensei: sou uma rotunda. E consegui vislumbrar quatro possibilidades.


terça-feira, 10 de setembro de 2013

A nossa casa e os canteiros de trevos



Contigo nunca tenho de me resgatar dos lugares a que não pertenço, porque pertenço a todos os lugares. Soçobram minutos entre as fendas da velha madeira do soalho e outros se acrescentam - os que entram pelas frestas da persiana e iluminam tudo o que é preciso iluminar.

Guardas-me os passos como guardador de sonhos, e eu caminho, segura, pelas nuvens de um deserto urbano, onde as almas parecem dormir de(s)cansadas; onde o nosso sorriso cúmplice contrasta com a depressão silenciosa da paisagem urbana.

Passa-me pela cabeça o Divino, reparo no céu plúmbeo que anuncia a trovoada. Sinais apenas. Sinais de penas. Sinais sem penas. Passa-me pela cabeça a implosão e explosão nos nossos corpos e sigo pela berma mais quente dos traços brancos que os faróis dos carros me dizem ser uma estrada.

Vais e vou. Tu, encontrar água e adubar sementes novas e eu, preparar a terra e os canteiros para novas flores, daquelas que envaidecem qualquer monte, qualquer jardim. Não há pressa, mas temos pressa, porque, sabemos nós, é ciclicamente Primavera nesta latitude ajardinada, e não queremos perder o desabrochar das margaridas.

Chego à terra que outrora conquistei e sinto-me estival, com bandos de andorinhas a pousar nos meus cabelos, ribeiras a correr sobre o meu corpo e cheiro a terra molhada como só Junho tem- se a chuva acontecer.

Faço crescer agora a noite sobre mim e adormeço a sonhar com canteiros de trevos a ladear o jardim da nossa casa.