segunda-feira, 24 de junho de 2013

Enseada



Desci para a pequena enseada. O mar estava calmo e a praia deserta. Anoitecia e havia pequenas agulhas de chuva a tocarem no meu rosto.

Respirava a maresia lentamente, e perdia-me na linha do horizonte, inclinando o sol com o calor do meu olhar. Era lá, nessa linha, que contava e recontava histórias, que fazia rimar as minhas prosas e me esquecia da poesia, que me despia de mim, que me sentia mesmo nua.

Mas nesse dia, não me queria só, inventei-te os passos e chegaste. Não me virei, não te vi. Cambaleavas-me no peito, salgado, sereno. E a romã abria em mim, a lembrar sede, a lembrar fome de carmim.

Beijaste-me a nuca e afagaste-me a boca com rosas molhadas. Senti-te o movimento lento, subtil, de subir e descer as pálpebras numa lentidão de prazer: e abraçaste-me por fim.

Não sei, ainda não sei, se foste tu que me fizesta península em ti nesse momento, ou se fui eu na minha ousadia de espera que aportei no teu estuário - sem qualquer aviso.

Sei que havia por ali à nossa volta uma imensa textura de veludo e pétalas e morangos líquidos e que navegaste sobre tudo isso, com os dedos subindo e descendo pelo dorso das colinas e pelas curvas semeadas de searas, no inesperado do meu corpo.

Quando vieste ainda a luz do momento era crepuscular e houve um avivar do horizonte, um relampago que se fez em terra. E eu fui contigo. E nunca a luz foi tanta num ocaso.

Antes de saires, resgatei-te a saliva com a minha boca. Brincaste-te nos seios com o fogo dos teus olhos.

E partiste calmo, a navegar.

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