quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Vives tantas vezes na raiz das minhas lágrimas


Por vezes vives na raiz das minhas lágrimas. Vives no sítio onde me nascem rios salgados que de tão aprisionados pelas margens sabem-se sem esperança de alcançar os sete mares. Sobes-me ou desces-me as colinas e danças-me inevitavelmente na retina. Inevitável e lento, trémulo e periclitante na lágrima retida; trémula, ali, a lágrima por cair, ali de onde o mundo se reflete pardo e desfocado. Vês como eu, o mundo desfocado e pardo, num porvir absurdo que nos falece antes que seja. Por vezes fazes pequenas ondas no lago dos meus olhos e tremulas ao vento a bandeira da revolta: queres que eu seja tempestade, que tudo apague, que tudo lave, que tudo; mas a lágrima, mareada e sombria, grita e força a grade para rolar livremente pela face. Evito a queda, porque não quero que roles com ela até ao chão e te sujes no sangue que escorre dos meus pés. As caminhadas foram sempre longas e os caminhos pródigos em gumes. Soubesse eu que as lágrimas corriam só em direção à boca, soubesse eu que as lágrimas em que me habitas corriam sempre em direção à boca; soubesse eu e soltava-as nessa liberdade de sal aquoso; deixava-te entrar de novo em mim. E de novo, de novo, sempre de novo, deixava que voltasses a ser líquido, quente e terno, recolhido, na raiz das minhas lágrimas.

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