Ontem passei lá naquele sítio, no sítio do costume, um sítio que por
mera casualidade é passagem obrigatória para outros sítios, para a porta de
outras casas, na senda meramente casual de reviver outros sonhos, outros tempos.
Ontem vi-te pela enésima vez, da enésima das vezes que ali passo e reparei que
tens sempre no olhar esse ar de chegar tarde, esse ar de quem está sempre com
pressa. Abrandei e olhei-te nos olhos, destemidos, profundos, porém fugidios e
acossados pela pressa – alguém que chega, alguém que espera, alguém que paga,
alguém que vai embora, alguém que chega. É este o ciclo de medo e de pressa, de
desgosto e de ansiedade em que te afundas e em que vives os teus dias. Ali, sentada
na velha grade de madeira, inclinada sobre a estrada, levantas-te e sentas-te e
deitas-te com a pressa apressada de quem se quer sempre levantar, e vais e
voltas com a pressa de quem confunde cheiros e vozes e nomes e preços.
Olhei-te nos olhos com a admiração de quem se vê ao espelho; de quem se
vê ao espelho em consciência - pela primeira vez -; nada disse – segui depois,
também na minha pressa de: chegar, fazer, trabalhar, executar e ouvir e comer e
calar.
Ambas somos prostitutas sentadas em grades diferentes: a tua de madeira
velha e suja; a minha, disfarçada de cadeira de secretária novinha em folha;
ambas fazemos o que não queremos a troco do dinheiro que precisamos; e em nós
há a mesma pressa de sair e voltar a tempo de sentar e escrever e
fazer, executar, comer e calar – antes que chegue alguém que disfarçadamente nos
ocupe o lugar.
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