segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Únicos, nós


Chegaste a abraçaste-me com as palavras. Nunca ninguém antes o tinha feito. Já me tinham abraçado. Já me tinham dado palavras. Mas abraçar com palavras foste tu. E sentir-me abraçada com palavras é único. Único. Tu.

Chegaste, e fizeste das palavras uma dança do ventre – no meu ouvido. Levantaste o véu e letra a letra elevaste-me ao patamar mais alto de um miradouro a que nunca tinha chegado E de lá avistei o Tejo, e sobre ele peixes de prata saídos dos teus dedos; e desenhados em palavras de mel: todos os poemas de Pessoa; as palavras enleavam-se nas nossas bocas, respiravam espuma nas nossas salivas, misturavam-se como afluentes em rios e num momento único, o Tejo deixava a lua adormecer no nosso corpo. Misturar afluentes por palavras é único. Ver poemas de Pessoa no Tejo é único. Único como tu.

Chegaste e escreveste-me no corpo, depois na alma e numa noite de Verão, com salpicos de mar, rezaste-me –palavras- na vida. Para sempre. Deitaste-me palavras em pó num copo de água fresca e eu bebi. Serviste-me palavras à mesa, simples, em refeições simples, de simples palavras, quebrei o prato dos medos e saciei-me de vida. De amor. Amor único. Único como tu.

Chegaste com palavras no olhar e acordaste todos os pássaros que se escondiam das chuvas, num Jardim de Inverno. Único olhar. Se há palavras escondidas num olhar, esse olhar é Único. Desenhaste no chão com letras de luz: um abrigo; e dia e noite, noite e dia, alheia aos solstícios de Verão ou de Inverno, alheia aos ecos, alheia a tudo, dormi dentro dele como se habitasse o anti Inferno (que nem Dante saberia apagar). Um abrigo que tem paredes de palavras e o mar a deixar salpicos de espuma dentro dele é único. Único como tu. Como tu nada. Se nada é como tu. É único.

Chegaste e percorri-te com palavras o caminho sem regresso que vai das tuas mãos ao teu olhar. Devolveste-me a vida, a sede e a esperança, eu peregrina, tu caminho de Santiago. Para um peregrino, o caminho de Santiago é único. Como tu. Único como tu.

Chegaste como um mágico, e tiraste palavras e palavras da algibeira, acabando com o frio neste hemisfério. Erguemos bandeiras e fizemos nascer flores no meio de um império de betão. Fazer nascer flores num império de betão é único. Únicos. Nós

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